1.A infância de uma flor

18/05/2013 19:50

 

Terrível. Essa era a palavra certa para definir o forte temporal que atingia o pequeno vilarejo de Riomaggiore, criada por italianos que vieram ao Brasil na época das imigrações. Nem o mais louco dos habitantes era capaz de por os pés para fora de casa, afinal, eram raios, trovões, relâmpagos se misturavam a enxurrada de água que estava alagando as ruas, que eram tão estreitas.


Em suas casas, todos os habitantes já estavam dormindo e não havia nenhum sinal de vida nas ruas, que pudera! Estavam se transformando em uma pequena Veneza só faltava os barquinhos... Em uma casa bem antiga, mais conhecida como o antigo Lar Menino Deus, o ambiente parecia ser de calmaria. Dona Noemi, que era a diretora do orfanato há certo tempo, já tinha colocado as crianças para dormir e estava fazendo as suas orações. Mas ela estava sentindo uma estranha sensação de que algo iria acontecer, e tinha medo, pois a chuva ganhava  muita força...


-Fazem pelo menos cinco dias que eu me sinto assim... Nunca tive pressentimentos fortes em minha vida... Meu Deus, por favor, que seja um bom sinal, sem nenhuma “surpresa horrível!”


Uááááá!!!


O chorinho infantil de quem havia acabado de desembarcar neste mundo, fez com que o coração de Dona Noemi desse um salto e fizesse com que ela se arriscasse a por os pés na chuva e encontrasse em sua porta aquele pequeno mimo que parecia ter vindo dos céus.


-Meu Senhor! Quem foram os monstros que abandonaram essa criaturinha?! Meu amorzinho, o que fazes aqui?


-Uáááááá´!!!-Chorava a pequena criança que estava dentro de um cesto de vime, e envolvida com tantos panos e agasalhos que ela se sufocava de calor, mesmo com as fortes chuvas e seus olhinhos procuravam o amor...


-Tão pequenina, não deve nem ter uma semana de nascida... Não chore, a Tia Noemi está aqui e vai cuidar de você agora!


Como uma mãe que carrega seu filhinho no colo pela primeira vez, Dona Noemi trouxe o bebezinho para dentro de sua casa, onde a enxugou, trocou os agasalhos e no meio disso, encontrou um bilhete que estava escrito as pressas e cuja letra estava um pouco tremida pela água da chuva. A mensagem escrita era assim:


Não posso mais, tenho pouco tempo.


Cuide dela, e faça com que ela siga o caminho das estrelas e ter a felicidade que eu não posso mais ter. É uma menininha de cinco dias de vida.


Obs: Por favor, o nome dela é Violeta,mas chame-a de Mia.


-A partir de agora, o seu nome é Violeta Mia, certo? Tão pequenina você é uma estrelinha rara!- Dizia Noemi enquanto ninava a menina, que finalmente conseguia descansar em segurança, após aquela tempestade.


-Tia Noemi! Tô com sede!- Disse o pequeno Julinho de apenas tres anos que estava no orfanato havia poucas semanas, (ele perdeu os pais, mas foi um acidente tão terrível que nem sei se dá para contar aqui.) e acordava no meio da noite a procura de água.


-Espere, amorzinho, eu vou pegar água para você,,,


-Quem é ela? Criança nova também?


-Julinho, esta é a Mia, uma estrelinha que caiu do céu e que precisa ficar aqui, para depois seguir seu caminho para a felicidade!


-Ela é bonita e engraçada!


-Agora vá para sua caminha, que eu vou trazer a sua água, certo?


-Tá, Boa Noite, Tia Noemi!-Disse Julinho que correu de volta para o quarto enquanto a bondosa diretora arrumava um bercinho para nossa pequena Violeta Mia dormir e a levou para seu quarto, onde ela a ninou, dizendo:


-Até amanhã. Estrelinha!


Muita historia tinha acontecido antes da nossa pequena Mia nascer, mas ao longo do tempo, nós vamos descobrir como tudo aconteceu, mas vamos sair de fininho, por que a menina está dormindo e a forte e valente chuva persiste só que agora a paz e a calmaria estão reinando...


Pois é, a chuva passou, à noite também, o sol retornou ao seu posto de sempre, as flores desabrocharam, a alegria voltou a imperar naquele vilarejo e a vida renasceu quando todos os habitantes acordaram para tocar suas vidas. Este é Riomaggiore, um lugar cercado por árvores frondosas, casas históricas e seu povo simples e humilde, mas que sabe conduzir a vida e transformar lágrimas e sorrisos.


O tempo é uma máquina encantada que avança como louco, não espera ninguém, e quer que todos cresçam e evoluam como ele e que o aproveitem enquanto ele está por perto. É difícil, mas temos que crescer e seguir nossa vida em frente para que possamos procurar a felicidade.


É claro que Mia não ficou de fora dessa corrida do tempo. Aquele pequeno bebezinho se tornava uma linda e graciosa menina que corria pelos campos de margaridas perto do vilarejo, que gostava de alimentar os passarinhos e cantar com seus pequenos amiguinhos do Lar Menino Deus com quem ela gostava de brincar e se divertir, sob os olhares cuidadosos de Dona Noemi.


Vamos aproveitar para contar uma historia que aconteceu quando Mia tinha seus sete anos e todos comemoravam o aniversário de nove anos do menino Julinho, que era seu melhor amigo. Todos os finais da tarde, eles saiam para apostar corrida até o antigo carvalho que ficava numa pequena colina, e ficavam ali, admirando o por do sol e compartilhando sonhos ao vento...


-É tão triste, ver uma árvore tão bonita e isolada nesta colina... -Dizia Mia.


-Por que a gente não a arranca dai e a planta de novo no pomar?-Perguntou Julinho em sua ingenuidade.


-Ficou maluco? Ela iria morrer de dor! As raízes dela são aqui, e se ela escolheu ficar, tudo bem, ela completa o pomar!- Mesmo tão pequenina, ela tinha ideias muito bonitas sobre a vida e o ambiente. Tudo começou quando as crianças olhavam o por do sol e ela quis saber o que ele gostaria de ganhar de presente:


-Eu gostaria de ter uma família!


-Mas a gente não é uma família? A Tia Noemi e os nossos irmãozinhos?


-É que um dia, eu tive pai e mãe... E eles partiram. Eu queria uma família de pai e mãe outra vez...


-Deve ser tão bonito! Mas daí a gente nunca mais veria você!


-A gente iria se ver sim, eu daria um jeito de visitar todos, a Dona Noemi e...


-E?-Perguntou Mia que estava curiosa com aquilo, pois ela tinha que dar um presente pro amigo! Depois de um tempinho, Julinho sorriu, a encarou e disse:


-E você sua bobinha! Você que é a melhor menina do mundo!


-Melhor menina do mundo...


-Ei vocês dois!- Gritou um menino gordinho que gostava de implicar com os dois.- Vocês podiam casar!!Hehehehe


-Cala a boca Pedro!


-Ninguém falou com você!-Só que quando o gordinho se afastou, as duas crianças ficaram a refletir muito sobre o que ele dissera. Para eles, casar era sinal de eternidade, algo que faria com que eles pudessem ficar juntos para sempre!


-Que tal se a gente casar?


-A gente casar? Como assim? Tia Noemi disse que só gente grande pode casar!- Disse Mia que ficou até espantada, mas Julinho a tranquilizou:


-A gente não precisa casar de verdade, é só a gente fazer uma promessa, e quando uma família vier adotar um de nos dois, é só prometer que vai voltar para buscar a pessoa e levar para casar de verdade!


-Eu tenho dois botões do meu casaco que estão se soltando!- Mia estava animada com a ideia de se casar, ainda que de brincadeira, por isso, molhou os dois botõezinhos, rezou sobre eles e Julinho fez o juramento:


-Jura que quando crescer, a gente vai ficar junto pra sempre?


-Juro! E você, jura que vai me buscar onde eu estiver?


-Juro mesmo!- E os dois se abraçaram, com a promessa de que jamais se separariam e correram para se juntar as outras crianças que brincavam. Aquela promessa era tão importante que logo teria seus reflexos no futuro e mudar suas vidas, mas antes, tinha um caminho a percorrer.


Existia uma família muito rica e conhecida por todos, graças a suas obras de caridade para com os pobres, a Familia Sodré, cujo patriarca, o senhor George Henson e sua esposa Carolina Sodré foram os primeiros benfeitores do orfanato, e há muito tempo desejavam ter filhos, para superar a falta que fazia uma criança em suas vidas, e certo dia, decidiram adotar um dos meninos.


-Nos gostaríamos de adotar um de vocês, desde que esta criança concordasse em morar conosco.


-Ficaríamos felizes se algum de vocês aceitasse ser nosso filho, ou filha adotiva, para que pudéssemos educar com amor e respeito, como merecem ser!- Disse Dona Carolina, uma senhora muito maternal que se pudesse, levaria todos para sua casa, mas como o orfanato tinha que continuar funcionando, teriam que escolher apenas um deles. Foi então que para espanto de todos, e da pequena Mia, Julinho se ofereceu:


-Eu posso ir com vocês?


-Menino, você gostaria de morar conosco?- Perguntou Joaquim e o menino estava ansioso, era a chance que ele tinha, a realização de seu sonho estava ali, ter pai e mãe! Só que enquanto eles conversavam, a pobrezinha saiu correndo dali, para não assistir aquela cena. Perderia seu amiguinho de infância, o primeiro amor, o companheiro de corridas até o campo de margaridas e o carvalhinho...


-Dona Noemi, ele vai embora! Ele não gosta de mim, ele vai me abandonar!


-Minha pequena, o que estás dizendo?


-Por que o Julinho quer ir embora daqui?!


-Mia, ele encontrou a família que ele queria, era o sonho dele... E não podemos impedir aqueles que sonham de realizar...


-Tia Noemi?-Julinho estava na porta do quarto, e pediu para falar com a sua pequena florzinha.


-Por favor, não chore, é a outra parte da promessa que a gente fez!


-A promessa... Os botõezinhos... O juramento... -Aos poucos, Mia se recordava e sorria, pois com a confusão toda, ela havia se esquecido de que ele teria que ser adotado, para depois vir busca-la!


-Tudo bem, mas não se esquece de mim, por favor!


-Claro que eu não vou te esquecer!-E assim as duas crianças se abraçaram, já consoladas pela esperança de ficarem juntas outra vez. Dona Noemi os chamou para ganhar doces e se distraírem com os amiguinhos.


Julinho ainda permaneceu no lar Menino Deus por três dias que ele aproveitou muito ao lado de Mia, e contemplar o por do sol á sombra do carvalhinho solitário. Quando chegou a despedida, o sol estava brilhante e os dois se abraçaram, saudosos, mas dona Carolina prometeu que levaria o menino para visitar o orfanato todos os fins de semana.


-Julinho, você já está pronto? É hora de partir!


-Até logo Tia Noemi!


-Até logo, e se cuide, menino!- Mia observava atenta para o momento em que ele acenou para todos os antigos coleguinhas e ela parecia estar forte. Mas ela não aguentou a ideia de que o amiguinho não estaria junto dela e saiu correndo atrás do carro. Julinho abriu a janela do carro e gritou:


-Até logo Mia, até todo dia!


-Até toda hora...Até todo o tempo...                                                                                                                                                                                                                                           


Mia ficara só, observando o carro da Família Henson partindo com seu mais novo integrante, enquanto Julinho olhava para ela, sonhando com o dia em que iria busca-la. Carregava o botãozinho, nunca iria esquecer. A menina subiu até o quarto e ficou observando a lembrança de sua promessa feita e pela janela, avistava o carvalhinho que iria ficar mais solitário do que antes. Ela estava com a esperança de que cresceria logo e seria feliz ao lado do menino... Como o amor é capaz de transformar nossas vidas, desde a infância!